Quem sabe algum vereador a ler esta crônica tome a ideia de transformar a data 30 de setembro em feriado municipal. Ela corresponde ao aniversário de nascimento daquele que mais venerou a cidade de São Paulo em verso e prosa, o poeta Paulo Bomfim. Ele nos deixou recentemente e sua ausência será sentida cada vez com o passar do tempo pelo vácuo que a falta de sua poesia irá deixar. Paulistano, nascido no ano de 1926, o menino filho do médico Simeão dos Santos Bomfim e da artista plástica, Maria de Lourdes Lébeis Bomfim, assistiu ainda inocente os acontecimentos em torno da revolução constitucionalista de 1932. Seu pai seguiu com as frentes de luta para a formação dos hospitais de campanha voltados a atender os feridos de guerra, enquanto tios e primos seguiram adiante com o front. Depois de encerrado o movimento, sua tia Nicota Pinto Alves, cuidou da família dos exilados tendo sido ela, a primeira mulher sepultada no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Ibirapuera, entre os heróis da revolução.geraldo nunes 30 set 16 f0c00Geraldo Nunes - 30 setembro 2016 ... Lançamento do livro Paulo Bomfim - Fotobiografia

Esses relatos ouvimos da voz do próprio poeta Paulo Bomfim que veio ao mundo para ser o grande artífice das palavras de louvor à sua terra natal, sendo por isso aclamado como “O Poeta da Cidade” e considerado o sucessor de Guilherme de Almeida na condição de “Príncipe dos Poetas Brasileiros”. Mesmo assim, quem o conheceu sabe que ele nunca ostentou sabedoria, preferindo atribuir a terceiros um saber maior sobre fatos históricos, pitorescos ou marcantes dos acontecimentos ligados a São Paulo.

Foram muitas as recordações de infância relatadas por Paulo Bomfim, quase todas acontecidas na Vila Buarque, cuja residência na Rua Rego Freitas 59, servia de centro cultural para a reunião de intelectuais em torno de suas tias Cecília e Magdalena Lébeis, que moravam na mesma casa e lá recebiam para visitas amigos como os poetas parnasianos Coelho Neto e Martins Fontes, que Paulo chegou a ver embora criança, além do próprio Guilherme de Almeida e do maestro Heitor Villa – Lobos, ao qual sua tia Magdalena que era pianista, se tornou uma de suas grandes intérpretes. “Daquele bairro que vivenciei quando menino nada mais restou, a não ser a Igreja da Consolação, a única referência ainda viva daqueles tempos”.

Certa vez, em uma entrevista para a Rádio Eldorado, Paulo Bomfim nos revelou que costumeiramente ia ao cemitério da Consolação e sempre deixava uma rosa sobre o túmulo da marquesa de Santos. “Certa vez quando fui levar uma flor para Domitila, vi uma preta velha ajoelhada rezando. Ela virou-se para mim e perguntou se eu era devoto da marquesa. Eu disse que sim e essa mulher então me contou que havia recebido um milagre dela porque pediu em oração à marquesa que intercedesse junto ao professor Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo, para que ele autorizasse uma exposição das pinturas dela no Masp. Atendida, a mulher estava lá pagando a promessa”.

Paulo Bomfim conviveu com Anita Malfatti que desenhou seu rosto em 1946 para a capa do livro, ‘Antonio Triste’, seu primeiro livro de poesias com prefácio de Guilherme de Almeida. Outro grande nome da literatura que conheceu ainda menino, foi o poeta modernista Mário de Andrade. “Anos depois de tê-lo visto pela primeira vez, compareci ao seu velório, na Rua Lopes Chaves, onde morava. Naquela noite, uma mulher inteligentíssima que declamava russo, chamada Leonor Aguiar, entrou vestindo uma roupa e quando se aproximou do caixão resolveu trocar. Não teve dúvida, tirou o vestido e ficou só de combinação na frente do morto e de todos os presentes e substituiu o vestido que usava por um outro levava na bolsa sem a menor cerimônia”.

Todos os amigos do poeta Paulo Bomfim, são unânimes em afirmar que jamais ouviram da boca dele qualquer palavra maledicente contra alguma pessoa. Generoso e solícito com todos que o procuravam, tinha sempre uma palavra de elogio. “Se for para criticar ele prefere ficar quieto” nos disse certa vez sua esposa Emy (Emma Gelfi Bomfim) com quem ficou casado durante 50 anos. Sobre o casal há uma história interessante contada pelo poeta quando viviam com filhos ainda pequenos em uma casa modesta. Certa vez a cantora Aracy de Almeida, segundo ele a melhor intérprete das músicas de Noel Rosa, o procurou dizendo que se sentia triste no hotel e gostaria de passar uns dias em casa deles. “Não tivemos dúvidas, tiramos as crianças do quarto e Aracy se instalou nele e foi ficando... Ela voltava de madrugada das boates em que se apresentava e antes de dormir, fazia interurbanos intermináveis para o Rio de Janeiro e assim ia até o amanhecer. Quase três meses depois trouxe uma arara que ganhou de presente na boate Jangada e levou o bicho para o quarto. Com o bico, a arara começou a morder os móveis, então não aguentei mais”. Foi a única que vez ao que se sabe, que o poeta disse ter ficado nervoso na frente de alguém e, mesmo assim, fez questão de não ofender a amiga. “Eu disse que estava expulsando apenas a ave de casa, mas como resultado ouvi de Aracy, o seguinte: “Se é assim, eu também me retiro”.
Em 2016, ao completar 90 anos, Paulo Bomfim foi homenageado com o livro “Porta Retratos”, organizado pela jornalista Di Bonetti, onde foi mostrado o acervo de fotografias de Paulo Bomfim com amigos e familiares, tendo como pano de fundo cenas urbanas da cidade de São Paulo. Pena que ele teve que partir. Se existissem mais pessoas com a sensibilidade de Paulo Bomfim, o mundo seria melhor. Ele dos deixou em 7 de julho último, aos 92 anos. Sua poesia ficará para sempre.

Minha Insólita Metrópole - (Paulo Bomfim)

Minha insólita metrópole, capital de todos os absurdos!
Música eletrônica em fundo de serenata, paisagem cubista com incrustações primitivas, poema concreto envolto em trovas caboclas.
Cidade feita de cidades, bairros proclamando independência, ruas falando dialetos, homens com urgência de viver.
Oceano feito de ilhas. Ilhas chegando, ilhas sangrando, ilhas florindo.
Os céus cansados do concreto que arranha. Cresce o mar das periferias.
No barco dos barracos navega um sonho. No fundo de cada um dos cidadãos do mundo, dorme a província.
Ali a velha igreja com seu campanário esperando a mantilha da noite.
Anúncios luminosos piscam obsessões. O asfalto é irmandade de credos.
No centro, todos os vícios e todas as virtudes convivem nas esquinas da São João.
Os domingos são quadrados. Cabem dentro da tela de cinema, do aparelho de televisão, da página do jornal, do campo de futebol.
O metrô é mergulho no inconsciente urbano. Nele o mesmo silêncio dos elevadores. Convívio de sonâmbulos, de antípodas da fila de ônibus e do trem de subúrbio onde há tempo para o cansaço florir num sorriso.
Aqui o verde é esperança cobrindo o frio de existir.
Teatros e o ballet da multidão, museus contemplando o quadro dos que se agitam, orquestras e a sinfonia de uma época em marcha.
Nestes tempos modernos, Carlito operário ou estudante, comerciário ou burocrata, é técnico em sobreviver.
Planalto dos desencontros, porto dos aflitos, rosa de eventos onde até o futuro tem pressa de chegar.
Mal-amada cidade de São Paulo, EU TE AMO!