Selecionados pelo Poeta
A alma não cabe na memória dos computadores nem se enquadra no paraíso do consumo. O mistério do Ser escapa às tecnocracias.
A literatura é o universo paralelo da vida. Em certos casos mais criativa do que ela. O personagem é a antimatéria do leitor.
Vida e poesia se comunicam através de túneis de palavras.
Vivemos sob rótulos e amarras, mascarados de verdades postiças e de disfarces emprestados.
Só amando nos renovamos. O êxtase é a única linguagem comum a todo o infinito. É o alimento do efêmero e do eterno.
Através do amor o humano se diviniza e o divino se humaniza.
Procuro renascer todos os dias. Não concordo em morrer vivo. Sou um rebelde de paletó e gravata, grão que teima em não virar massa, pássaro que persiste no canto dentro da gaiola dos horários.
Amo tanto a liberdade que gostaria de ter filhos com ela.
Quando através de uma senha percebemos que um pouco de nós nos espreita no fundo do outro, e que a terra prometida são algumas pessoas que temos a vidência de pressentir, passamos a nos sentir em casa. O verdadeiro encontro é aquele que confirma algo que trazemos em nós. É conhecimento e reconhecimento daqueles que podem livremente fluir uns nos outros.
Sou feito de muitas raças e de várias condições sociais. Em todo o canto há um pouco de meu lar e em todos um pouco de mim.
Neste momento de tanta angústia o livro torna-se a tábua possível de resistir ao naufrágio e comandar marés. Cabe a ele a missão de povoar solidões.
Às vezes escrevemos o poema, outras, somos por ele escritos.
Somos vocábulos na literatura dos deuses.
A erudição, quando não é uma chave para a sabedoria, enferruja.
Que mania de se falar difícil sobre coisas fáceis.
Discípulo do acaso, leciono contradições.
Algo tece com o fio de nossas vidas, tecidos que se tingem de existir.
O sobrevivente é sempre alguém desapontado.
Toda criança é uma prova que 1+1=3.
Quanto abismo não passa de poça d’água refletindo estrelas.
Alguém indaga se sou saudosista. Respondo que sou apenas um homem de bom gosto. Convivi com pessoas tão fascinantes que tenho o direito de ser exigente.
A vida, essa mulher mal-amada, ainda me convida para encontros clandestinos.
A multidão é um corpo solitário à procura de sentido.
As almas também se reproduzem. O êxtase é gravidez de eternidade.
Como é complicado ser simples!
Jamais trazer o passado em encontros com o futuro.
Horas murchas fogem dos relógios.
Gavetas grávidas, berço de lembranças.
Somos apenas os peregrinos do êxtase.
O universo palpita em rituais de amor.
Ah, a inocência de certos pecados!
De tanto conviver com espectros tornamo-nos irreais.
Na cidade dos desencontros, a surpresa das esquinas.
Viajar, crime de contrabandear solidões.
Na casa do teu corpo, a tapeçaria de minha solidão.
Um dia os poetas saberão encontrar as mulheres que se perderam.
Sejamos puros em nossos pecados de beleza.
Do brinde dos corpos, o vinho do amor.
Acampo em você para indagar de mim.
Tuas angras de ternura, meus sentimentos corsários.
Enxuga-me em tuas chamas e devolve-me ao mar.
A virtude de certos vícios e o vício de certas virtudes.
No fundo de certos pecados, o sorriso da inocência.
Cuidado!, o próximo é feito de distâncias.
Nas ruas, cada um leva seus labirintos passear.
Ah esta sensação de fechar a alma para balanço!
O desenho é às vezes o esboço de uma verdade.
Meu futuro fantasma já me assombra.
Os peixes chamam os anzóis, de dedos do destino.
Ovelhas clamam por pastores e os pastores se deixam tosquiar.
Nada mais indiscreto do que um criado-mudo quando se põe a falar de segredos do leito.
O pássaro pousou na idéia de uma árvore.
De tanto caminhar passamos a ser caminhos.
Simplicidade, terra da promissão dos homens complicados.
O jovem tem a insolência dos novo-ricos porque é um novo-rico de tempo. À medida que gasta seu capital de horas, vai passando para o lado dos pobres de tempo.
A cartola engoliu o mágico. O coelho nega-se a falar sobre o assunto.
Não dava intimidade simplesmente porque não a possuía.
O solitário teve um caso com a secretária eletrônica.
É preciso enxugar as idéias – elas têm frio.
Trocar idéias: – Paraíso dos falsários.
A xícara executa sobre a mesa a noite de um café.
No país de teu corpo não me sinto estrangeiro.
Pessoas e casas devem ser habitáveis.
Na mocidade praticamos loucuras, na meia-idade excentricidades, na velhice, (cautela), a vontade de viver é tachada de esclerose.
A arte está sofrendo de falta de assunto.
Cansei de procurar nos outros aquilo que não encontro em mim.
Até em dedos de prosa exibem-se anéis.
Alegou suspeição para julgar a morte do dia.
Relógios estão exaustos de escutar o coração dos passantes sem tempo.
Na pele que se torna pergaminho, as rugas aguardam leitores.
O trânsito é um circo de impacientes enlatados.
Evitei fazer concessões para ser admitido no universo dos mais novos, não reneguei minha geração e muito menos atirei pedras na face de um passado de onde provenho.
Ofereço a meus mortos o dom da vida.
Em algum lugar do céu está a “Seção de achados e perdidos” com a certeza daqueles que se acharam definitivamente e com o desespero dos que se perderam para sempre.
Viveu de citações e morreu entre aspas.
A vaidade é refúgio da insegurança.
O homem é o mais doméstico dos animais. Gosta de ser punido e dirigido, salta obstáculos, lambe a mão do dono, rasteja por qualquer coisa, finge-se de morto, fecha-se em jaulas confortáveis, anda em manadas, pensa como rebanho e quer levar tudo isso para a eternidade!
Antes de sermos reais, somos sonhados.
Hoje senti na lapela a alma de uma rosa que matei.
A lanterna tombou no lago. Nessa noite os peixes principiaram a crer.
Cada pedra da calçada é a janela de um mundo horizontal.
Sob o arco de tuas sobrancelhas, desfila a eternidade.
Sempre haverá em toda parte do mundo cavaleiros sem cavalos, bebendo em mesas redondas, à espera do Rei Artur.
O homem-árvore parou no bosque e estranhou que as folhas fossem verdes!
Em todo regresso há sempre um pouco de despedida.
No dilúvio da noite, a arca de teu corpo.
Teu nome... Lua nova nascendo atrás de minha solidão.
Chove, em cada poça d’água se repete a história dos teus olhos e a inquietação dos meus.
O mais triste dos anjos tentou contra a vida eterna.
Girassóis debruçados sobre o muro seguem, brancos de susto, o giro da lua.
As penas dos homens formam as asas dos anjos.
No último caminho, passearemos de mãos dadas com o que fomos.
Somos palavras que o papel devora e a terra esquece.
Se palavras perdessem o valor, Pedro seria Francisco, Francisco seria cachoeira e a cachoeira seria clamor afogado em si mesmo.
No calendário, os dias são vidas.
Saudade de tudo que não seremos.
De nossas ânforas de carne a alma se evapora.
Sempre o espectro dos vivos assustando os mortos!
Ritmo, respiração do pensamento.
Sinto-me escrito. Cresço no pecado das palavras.
Relógios, livros e paredes aprisionando o infinito.
Os átomos são povoados por seres que nos procuram decifrar.
Visto um noturno sobretudo. Três estrelas abotoam meu cansaço.
Desceu correndo pelas letras do alfabeto e chegou ao princípio do mundo.
Deixai-me passar! Sou feito da substância dos dias!
Às vezes, afogando numa poça d’água, pedimos socorro ao mar.
O tempo lentamente vai bebendo os homens que estão no bar.
Não precisamos conversar, devemos treinar silêncio.
Bom senso, anjo de asas quebradas.
Os passos já não cabem no impulso de caminhar.
Hoje sou terra. E você florindo em mim.
Em teus flancos de terra, meus rituais de ouro.
É pela volúpia de mar no bojo dos escaleres que os transatlânticos naufragam.
Ah! os minutos gastos inutilmente. Estou tão pobre de tempo!
Há quantos séculos divindades fazem de nossos corpos suas jangadas!
Somos roteiro e aventura. Ousemos existir!
Perduramos como uma surpresa que envelhece.
De meus erros e minhas lutas, um lume para os que têm frio.
Pelas mortes que morri, um hino de paixão à vida.
A eternidade precisa de nós para existir.
Não ergamos diques. Deixemo-nos fluir.
Eternos, pertencemos, contudo, à estirpe dos rios!
Meus olhos maduros de você.
Urgência de viver erguendo âncoras.
Somos centelhas. Algo arde além de nós.
Não contemplo lareiras, sou fogo.
Um dia, serás a lenda que as nuvens contarão em forma de chuva.
O homem ama a verdade. E tem filhos com a mentira.
Quanto tempo esperando o que não está no tempo!
Não receio cabelos brancos, temo as horas grisalhas.
Façamos do sonho a invenção da lógica.
Somos afluentes uns dos outros, ribeiras de sangue a murmurar adeus.
Dispensadas as placas para o mistério das ruas.
Havia música, eram verdes as harpas do pomar.
De tudo somos ricos: - Nada nos pertence.
O próximo, cada vez mais distante.
De tanto dizer “Sim” acabamos dizendo “Não” à vida.
A lã dos cordeiros para o inverno dos lobos.
Todos perdidos: uns dos outros, uns nos outros...
Em algum lugar, estas máscaras serão reais.
Lua, vício da noite.
Acrescento ao campo de prata os leitos onde fui rei.
Cheguei a mim. Você à minha espera.
A aragem invadiu o quarto. É recado do mar.
Sempre o mal-entendido entre o humano e o divino.
Leito-jangada. Os náufragos se encontram.
Consulto o relógio, é hora de viver.
Conjugo o futuro com sotaque antigo.
Do horror do conformismo – um culto aos temporais.
Como é fatal sobreviver!
Como se sentiria um relojoeiro na eternidade, e um arcanjo numa fábrica de vitrais?
Cada vez chegamos mais rapidamente. Breve não será mais preciso partir.
As estatísticas nos apontam como algarismos que envelhecem.
Dão-nos um nome, um sobrenome, uma linguagem, uma lei, uma crença, e ainda exigem que sejamos autênticos!
Apiedai-vos dos grandes propósitos que caminham mutilados!
Somos os filtros de barro onde a água se detém para meditar.
Ao cruzar um rio, cortamos o pensamento de um deus.
A fonte em meus braços e a terra tão seca!
Creio. Todas as descrenças do mundo formam também uma religião.
Apartamentos, arquipélagos verticais, onde a morte vai apertando o botão dos elevadores!
Chamamos marginais aqueles que nos furtam a carteira e deuses os que nos roubam a vida.
Perecemos da doença de existir.
Hoje gostaria de ser apenas uma capela colonial onde o tempo parou para rezar.
Há pessoas que são países que deixamos de habitar.
Dispenso certezas agora que te fiz verdade.
Amanhã, seremos ontem.
Homem, rascunho de um deus.
A eternidade, esse olhar sem pálpebras!
A tentação de sermos reais!
Em algum lugar seremos livres, corsários do espaço, contrabandistas de eternidade.
Nostalgia daquilo que há de nós nos outros.
Para tantas almas, apenas um eu!
Surgimos mortalmente feridos. Nascer – o primeiro adeus!
Faço dos versos uma pira que deixo arder no promontório. Os náufragos vêm vindo de tão longe!
Criemos corpos para a multiplicação das almas.