Maria Amélia me telefona para falar sobre Elza Vallejo Outon.

– Paulo, é uma senhora uruguaia que foi diva da Belle Époque e hoje está muito doente em sua chácara na Cidade Adhemar. Ela o admira muito, tem tudo a seu respeito recortado e colado num álbum. Brevemente irá para o hospital submeter-se a uma operação delicadíssima. Pede-me para vê-lo antes de se internar.

No dia seguinte, Maria Amélia me leva até a casa da amiga.

No caminho ia falando a seu respeito:

“– D. Elza foi a paixão de um de meus tios. Cada encontro que tinham, oferecia a ela um brilhante.

Certa vez ele indaga do destino que havia dado a essas pedras preciosas.

Os brilhantes? ah, sim...

Chama a empregada e pede que traga os sapatos que mandara fazer. Abre a caixa diante do namorado e retira o par de calçados com os saltos cravejados de brilhantes.”

E pela vida afora, muitos barões do café continuaram a colocar a seus pés as fortunas, os brasões e as esperanças.

Quando chegamos à Cidade Adhemar, no fundo de um corredor de árvores, tenuemente iluminada pela luz de lampiões de querosene, à porta da varanda, uma senhora nos esperava.

D. Elza, já bem idosa, guardava ainda a altivez e a graça de um passado intensamente vivido.

Tive a impressão que nosso encontro era um reencontro. Havia algo familiar em sua fisionomia. Falei-lhe de sua beleza e apenas respondeu:

– Bonita era a Bela Otero! Lembro de seu vulto surgindo no tombadilho do navio que nos conduzia à França. Bilac também se encontrava a bordo com um grupo de intelectuais que iam para a Europa.

E repete com suas lembranças: – Bonita era a Bela Otero surgindo no tombadilho naquela noite de luar!

Conversamos muito. Mostrou-me o álbum com os recortes de minha vida literária e me diz numa expressão uruguaia:

– Gosto do senhor porque o senhor não é “meio-pêlo”. Age com raça.

Na saída digo a ela que gostaria de revê-la e me diz:

– Nesta vida este é nosso único encontro. Amanhã irei para o hospital. Não tenho ilusões sobre o meu caso.

Ao nos despedirmos, aquela senhora emoldurada pelo batente da porta, era o quadro de uma época.

Na semana seguinte, Maria Amélia telefona e me diz:

– Paulo, D. Elza acaba de falecer. Quando estava muito mal, o médico aproximou-se dela com uma injeção.

– O que é isso, doutor?

– É para tirar a dor e fazê-la adormecer.

D. Elza senta-se na cama, arranca os tubos de oxigênio e de soro e diz:

– Eu conheci todas as coisas desta vida. O senhor quer me impedir de conhecer a morte?

Pouco depois, partia serenamente no comando de suas emoções.