Nos anos 40, malandros, boêmios e estudantes conviviam na mais perfeita harmonia.
"Galalau" que tivera seus dias de glória na marginalidade, onde pagava para todos, rodadas de cerveja e pizzas no "Batista", ficara tuberculoso.
Certa madrugada, na escadaria que liga o Anhangabaú à Praça Ramos de Azevedo, a cena que se desenrolava ante a cumplicidade das estátuas, pedia a ópera de um novo Carlos Gomes.
Um malandro jovem e ágil, provocava "Galalau" que com uma faca na mão tentava alcançá-lo.
Deslocava-se cada vez mais lentamente. Parava para tossir, enxugava o suor do rosto, procurava respirar, enquanto o outro se ria dando cambalhotas no gramado.
Uma noite, correu de bar em bar, de prostíbulo a prostíbulo, que "Galalau" estava convidando a todos para vê-lo morrer. Não tinha mais nada a oferecer, apenas o espetáculo de sua morte num banco da Praça da República.
E foram chegando, saindo de becos e bocas noturnas, mulheres bizarramente pintadas, e homens de corpos felinos que gingavam.
O anãozinho "Balalaica" ia fazendo os convites para o derradeiro show. Julinho "Boas maneiras" com amigos do circo, observava de longe. O "Moleque 18" que saíra de uma boate aproximava-se curioso. "Barriguinha de Veludo", o "Tenente Beterraba", "Garotão" e um desconhecido esperavam a chegada do "Batatão", lutador que topava qualquer parada. "Curimbaba" em sinal de respeito, parara de cantarolar o tango. "Maria Pé de Violão" já fora avisada no bar "Último Trago".
"Galalau" em sua dispnéia contemplava a platéia que ia aumentando.
As olheiras da noite envolviam o olhar dos lagos. Ao longe, a sirene era uma navalha ferindo o sono das vielas.
O rabo de arraia do vento derrubava as folhas dos plátanos.
A madrugada eram violas partidas na quina dos prédios maldormidos.
No centro de uma clareira de olhares indiferentes, "Galalau" morria.