Não tenho coragem de voltar à Barra do Sahy. Ignoro se a casa de Clóvis Graciano resiste às ondas que galgam escadas, apagando passos.
A praia sem Graciano, torna-se um quadro onde as cores vão morrendo e as figuras saem à procura de outros gestos.
Hoje que as balsas e a tábua das marés estão sendo postas de lado, chegar ao litoral norte deixa de ser aventura para se tornar romaria de penitência em modernas rodovias.
O lampião petromax e a geladeira movida a querosene fazem parte de um folclore que desaparece nas dobras do tempo.
Lembro-me da primeira vez que lá desembarcamos da perua onde Graciano carregava telas, livros, conservas, uísques e amigos.
Em frente da casa ajoelhada na areia, a ilha me saudava com olhos verdes e riso de coral.
Foi amor à primeira visão. Olhei e disse em silêncio:
– Essa criatura será minha!
O dia seguinte, levantei-me cedinho. Todos dormiam. Apenas Rebolo Gonzales ajeitava seu cavalete na varanda.
Indago de um caiçara a distância que separava minha descoberta da praia, e o problema da correnteza.
Atiro-me ao mar, e passando a arrebentação, eu e meus cinqüenta anos fomos nadando calmamente em direção à amada.
Quando Emy acordou, procura por mim e não me encontrando é informada por Rebolo que aquele ponto no mar alto, era seu marido.
– Fique calma – diz o pintor – o poeta chegará a seu destino.
Minha mulher não se contém. Desce até a praia e pede a um pescador que a leve até o nadador. Para subir no barco foi necessário que embarcasse na margem do rio ao lado.
Quando ela fica nervosa é atacada por um artritismo que vai paralisando as juntas.
Já estava chegando à ilha e principiei a ouvir o barulho de um motor que fazia dueto com seus gritos.
Voltei no barco, e ao descer na areia, Clóvis e Rebolo aplaudiam a loucura do amigo.
Almeida Salles chegou a propor na mesa do Bar do Museu, que a ilha deveria se chamar “Ilha do Poeta”.
Acredito que foi nesse local que Hans Staden, quando prisioneiro dos índios, parou no meio do caminho entre Bertioga e Ubatuba.
Na Barra do Sahy deixei certa manhã, o papagaio, o bacamarte e o guarda-sol num lugar onde sexta-feira tornou-se o dia da semana em que Robinson Crusoé se apaixonou por uma ilha.