Conheci Annita Malfatti através de minha mãe que era sua aluna de pintura. Nosso primeiro encontro ocorreu nos idos de 45. pouco depois ela faria meu retrato exposto na galeria existente no subsolo do Edifício Esther, na Praça da República. No local onde funcionaria a boite Oasis, surge o Clube dos Artistas e Amigos da Arte que floresce na Barão de Itapetininga em 1947, mudando-se posteriormente para a sede do Instituto dos Arquitetos na rua Bento Freitas.

A residência de Annita passa a ser ponto obrigatório de meus giros pela cidade de São Paulo. A alegria que ali reinava marca para sempre a lembrança de uma década privilegiada onde a arte e a vida caminham de mãos dadas.

As reuniões que assinalaram a casa hospitaleira da rua Ceará foram abençoadas pelos cabelos brancos de D. Beth, mãe de Annita. Em torno dessa figura querida, girava a ciranda de netas e amigos.

Os preparativos das festas juninas eram sempre um acontecimento. Entre bandeirinhas e balões que levavam para o céu as trovas do poeta adolescente, a graça de Evangelina Pereira de Sousa e a voz romântica de Marino Gouveia cantando ao violão modinhas imperiais e lundus. Marino que dez anos antes, em 1936, contracenara com minha tia Magdalena Lebeis, no Teatro Municipal, na “Noite de São Paulo” de autoria de Alfredo Mesquita.

Tudo vou recordando à medida que percorro as páginas do livro de Beth sobre sua tia Annita.

Entre quadros e lembranças, ressurge com todo o fascínio a figura da deflagradora do modernismo brasileiro, a amiga que me apresentou Manuel Bandeira, Raul Bopp e Ribeiro Couto. Não a Annita falsamente descrita como amargurada e ressentida, mas a pioneira que inaugura o rito de passagem revolucionário, transmitindo àqueles que tiveram a ventura de conviver com ela, legado de entusiasmo e de generosidade.

Ao viajarmos por sua trajetória artística, mergulhamos na essência de um Brasil eterno, feito de audácia e ternura.

Acredito que audácia e ternura sejam também, a melhor definição para Annita Malfatti.