Quando a notícia da morte de Getúlio Vargas chegou ao Largo de São Francisco, houve certas manifestações de regozijo que me contrariaram. Fui para casa perturbado com a tragédia merecedora do respeito dos que durante uma existência combateram a figura enigmática daquele que saía da Presidência da República para entrar na História.

À tarde, voltei ao Largo de São Francisco. Pela cidade deserta, a multidão ia atacando jornais anti-getulistas e depredando lojas que teimavam em permanecer abertas.

Dois jipes passaram por mim levando Conceição da Costa Neves e Wladimir de Toledo Piza que faziam comícios relâmpagos levantando o populacho que os acompanhava aos gritos. Wladimir, o bravo Wladimir, de 32, se passara para o lado que combatera, e Conceição, mantinha sua coerência de fidelidade a Getúlio.

Ambos meus amigos, naquele momento, em campos contrários.

O “Território Livre” estava deserto. Os estudantes que pela manhã haviam se manifestado ruidosamente, não se encontravam ali. A Faculdade de Direito, de portas fechadas.

Encontro José Victor Fasano, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, meu primo Marcelo Pitombo, o sertanista e escritor Francisco Brasileiro que passava pelo local, e Chico Emygdio.

Rompendo o silêncio que envolvia as Arcadas, principiou-se a ouvir o vozerio da multidão que vinha marchando em nossa direção. Já podíamos distinguir nitidamente os gritos de “fogo na Faculdade”.

Nós cinco tivemos a mesma reação e corremos para a frente de nosso templo. Éramos cinco, desarmados e de braços cruzados, procurando defender a Faculdade. Francisco Brasileiro indaga:

– Alguém tem uma arma?

– Só o meu guarda-chuva, respondo.

Pouco a pouco o Largo de São Francisco foi sendo tomado de assalto. Centenas e centenas de pessoas iam chegando, brandindo caibros, facas e tochas. Alguns empunhavam revólveres.

Cercaram a Faculdade. Subitamente houve aquele silêncio que antecede aos cataclismos. Nós cinco, com as portas fechadas a nossas costas, aguardávamos o pior.

Foi nesse momento que surge, não sei de onde, uma tropa de choque que principia a dispersar a multidão.

Voltamos para casa com a certeza de um dever cumprido.

Muitos anos depois, na Corregedoria do Tribunal de Justiça o advogado José Victor Fasano vai visitar o Desembargador Onei Raphael Pinheiro Oricchio. Abraçamo-nos comovidamente.

Nunca mais havíamos nos encontrado depois daquele agosto de 1954. Evocamos Chico Emygdio, Marcelo Pitombo e Francisco Brasileiro, desaparecidos nas arcadas do eterno, e nos sentimos ainda mais irmanados àquela Faculdade que, romanticamente procuramos defender numa tarde transfigurada em lembrança.