À GUISA DE UM PREFÁCIO
Mas como poderei jamais escrever um prefácio ao livro de Paulo Bomfim?
Como poderei, com palavras simples e banais, dizer alguma coisa que sirva de introdução à sua poesia?
Essa poesia, entretanto, também foi construída com palavras − mas é que, na Poesia de Paulo Bomfim, elas foram de tal maneira enleadas umas nas outras que, ao serem pronunciadas, eclodem, e eclodidas permanecem em estado de encantamento. Assim encantadas, nenhum dicionário jamais dará sua significação. Como falar sobre elas?
A poesia de Paulo Bomfim nos apanha no chão, nos eleva, nos envolve, desperta em nós olhos que nunca sonhamos que tivéssemos, e nos aponta na direção de realidades, não de sonhos, não de quimeras ou idéias abstratas, mas de realidades, daquelas mais verdadeiras, daquelas que habitam além, muito além do pensável, e portanto muito além de todo o dizível, daquelas realidades que habitam fora da “caverna de Platão”. Assim como os alquimistas antigos, a poesia de Paulo Bomfim nos transporta para além do “Fogo”, do “Ar”, da “Água” e da “Terra”, para a quinta-essência que ilumina nosso entendimento sobre as coisas da vida e do mundo.
Em certos momentos que se derramam por toda sua obra, sua poesia é como se fosse mais uma anunciadora da participação do Belo Absoluto que reside na alma de tudo, desde o cintilar de uma estrela até a menor partícula da poeira do mundo, manifestação do Ser inscrita na raiz de tudo.
A poesia de Paulo Bomfim é toda paixão. Os imortais menestréis da Aquitânia, em idos tempos, nos séculos XI e XII, já nos ensinavam, como é sabido, que a paixão, assim como eles a entendiam, resulta de um amor por um bem sempre inatingível. Sento inatingível, é portanto amor com sofrimento; essa paixão, em verdade, caracteriza a mais forte marca do ser humano na sua claudicante caminhada pelas veredas da terra.
É sempre a mesma velha história dos “Fideles d’Amour”, a deliberada vontade de amor cada vez com mais ardor o bem cada vez mais alto; é o amor pela “Princesse Lointaine”, a Princesa distante, sempre inatingível. Ora, a poesia de Paulo Bomfim, acima de tudo, apresenta-se exatamente como um transbordamento de amor por um bem sempre cada vez mais alto. Ele claramente o confessa ao dizer:
“E o finito crescer de uma infinita
Vontade de alcançar toda distância”.
Às vezes pode acontecer que no longo arrastar de nossa existência, prisioneiros de vãs e enganadoras cintilações do século, deixamos aos poucos bruxulear nossa infância e, com ela, a santa loucura que nos faz abrir os olhos. Assim com o jardineiro que se habitua com o perfume de certas flores perde a capacidade de o sentir, assim também podemos nos habituar com os encantamentos do mundo e deles só nos fica o mais leve, a mais vaga das lembranças.
“Dormi, e estive sepultado no sono”, cantava o Psalmista. Assim também às vezes nos encontramos sepultados, pois tudo que à nossa volta foi criado para servir a nossa vida, desprezamos. Desprezamos as madrugadas, desprezamos o canto das ondas do mar, desprezamos a brisa e os grandes ventos, os perfumes dos campos e o silêncio das florestas; chegamos a desprezar o som mágico das palavras; desprezamos a mensagem das constelações e não sabemos mais nos dirigir por elas, como os Magos Antigos, para a Luz do Primeiro Dia; e desprezamos também as grandes tristezas e as grandes alegrias, esses augustos visitantes de nossa alma “que nunca nos abandonam sem nos deixar enriquecidos de secretos tesouros” (Maeterlinck).
Desprezamos a magia do mundo, e silenciaram dentro de nós as insondáveis forças do coração. Na semiconsciência do que nos acontece e na tresloucada esperança de recuperar as faculdades adormecidas, recorremos a analistas do infinito, a esses alardeam por aí com grandes palavras sonoras, iluminados somente pelas luzes de sua própria razão, esses que afirmam que nada existe tão longe de nós que escape ao alcance da inteligência raciocinante. Esses, depois de lançarem a claridade do pensamento sobre as sombras que nos cercam e nos habitam, ao finalizarem o espetáculo de brilhantes raciocínios, se quedam, mudos e contrafeitos, “com um pé apontado para as Antilhas e outro para a melancolia” (Supervielle).
De súbito, somos despertados pela poesia de Paulo Bomfim. E eis que, acordados, desvendam-se aos nossos olhos, e não somente aos nossos olhos, mas também ao nosso ser inteiro, a mensagem que brota dos inquietos planos de nossa alma, para responder com infinito amor ao apelo do mundo. Paulo Bomfim já nos havia prevenido. Ele diz:
“Na esquina de um poema hás de encontrar
a aventura tão cedo pressentida”
“E livre tornarás a ser o canto.”
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No mormaço dos tempos atuais, abatidos tempos ainda de Kali Yuga, a poesia de Paulo Bomfim nos vem como um sopro de espírito, um lampejo de madrugada reacendendo fogos quase extintos.
Para quem tem ouvidos para ouvir, os seus poemas são a confirmação de que a Palavra Perdida repousa logo ali adiante, à nossa espera.
Ignácio da Silva Telles
Guilherme de Almeida