A Associação Brasileira de Indústria Têxtil, encontra-se instalada na Rua Marquês de Itu 968, antiga residência de Roberto e Ernestina Alves de Almeida, cuja família liga-se à tradição da tecelagem paulista. Roberto foi presidente do Jockey Club e proprietário da usina de açúcar “Santa Barbara”. Seu sogro, o fazendeiro Waldomiro Pinto Alves, juntamente com Franco Clemente Pinto, fundaram no Ipiranga a “Companhia Industrial de Juta”. Joaquim Müller Carioba, casado com Maria da Penha, irmã de Ernestina, foi um dos donos da fábrica de tecidos de Carioba, comprada de sulistas que abandonaram os Estados Unidos depois da Guerra da Secessão, indo residir em Americana, onde plantaram e teceram algodão.
No quinhentismo, já se registravam panos rústicos e o fabrico de “chapéus de lã” assinalados por Taunay em “São Paulo nos Primeiros Anos”.
Segundo Pedro Taques, o desaparecimento da criação de ovelhas acabaria reduzindo a confecção de chapéus.
Alcântara Machado, em pesquisas realizadas em inventários quinhentistas e seiscentistas, encontra no espólio de velhos paulistas, teares que eram manipulados por índios que se especializaram na tecelagem do algodão.
Em 1585, a Câmara Municipal de São Paulo, determinava que “não fizessem panos de algodão que fosse de mais de três palmos e meio de largura sem licença da municipalidade”.
Existiram alfaiates em São Paulo desde o século XVI. As fazendas grosseiras aqui produzidas, eram usadas pela população mameluca do burgo. Os alfaiates, tendo pouco serviço, tornam-se também cabeleireiros e são denominados “alfaiates penteeiros”.
Segundo Ernani Silva Bruno, a incipiente indústria paulista, além dos panos e dos chapéus, produzia marmelada que era exportada em caixas de madeira e servia de objeto de troca, espécie de doce-moeda.
Em 1613, Cornélio de Arzão introduz a lavoura de trigo no planalto, construindo no Anhangabaú, moinho para moer o cereal. Seu sogro, o bandeirante Martim Rodrigues Tenório de Aguilar, foi sócio do engenho de ferro “Nossa Senhora de Agosto” que funcionou em 1607, em suas terras em Santo Amaro, no local onde se ergue o Centro Empresarial.
Na segunda metade do século XVI, Brás Cubas com uva de parreiras do Tatuapé, produz o primeiro vinho brasileiro.
Em 1765, a Câmara denunciava o abuso praticado por certos comerciantes de tecidos e de chapéus que vendiam em seus estabelecimentos, açúcar, bebidas alcoólicas e lombo de porco.
John Mawe, anotava em 1807, que o algodão bruto era quebrado a mão e o pano utilizado na confecção de roupas e camisas, fazendo-se também malha para as redes, com barras de rendas.
Assinala Gustavo Beyer em 1813, São Paulo não possuir nenhuma fábrica de importância além da confecção artesanal de rendas, peças de algodão de várias cores e mosqueteiros.
Dois anos antes, no entanto, começara na Ladeira Porto Geral a funcionar o cotonifício de propriedade do Tenente-Coronel Antonio M. Quartim. Uma década depois, o Ministro Vila Nova Portugal recomendaria ao Governador Oyenhausen, que tomasse providências para que este não fechasse.
O alvará do Príncipe Regente D. João, de 1º de Abril de 1808, anulando o alvará régio de 5 de Janeiro de 1785, que proibia no Brasil as manufaturas de linho, algodão e seda, é marco a ser lembrado.
Esse primeiro de Abril torna-se, na história da indústria paulista, o dia da verdade. “Levando em consideração o grande benefício que se seguirá para a prosperidade deste Estado de se aperfeiçoar geralmente a manufatura”, faculta o alvará de 1º de Abril de 1808, “a todos que assim desejassem, estabelecer fábricas e isto sem exceção alguma”.
A carta régia de 11 de Maio de 1813, designa Thomaz Roiz Toxa, mestre tecelão, “para os tecelões de São Paulo, no intuito de incrementar a manufatura de tecidos”. Nesse mesmo ano ele chega trazendo “16 pares de cardas de cardar algodão, 9 rocas, 18 pontas de lançadeiras, 18 carrinhos de latão torneados para lançadeiras, 200 cardas de Erva, 9 libras de corda de linho para armação dos teares e 12 escovas”.
Nascia naquele momento, o futuro parque industrial bandeirante
Thomaz Rodrigues Toxa, dirigiu no Piques, a fábrica de tecidos do Capitão João Marcos Vieira que, no ano da Independência, ainda se encontrava em atividade, vindo a falir tempos depois.
Suas máquinas foram, em 1828, entregues ao Marechal de Campo José Arouche de Toledo Rendon, que além de militar e jurista, foi pioneiro do plantio do chá em nossa terra, defensor dos índios e primeiro diretor da Academia de Direito que nascia no Largo de São Francisco. Rendon torna-se fabricante de tecidos, empregando um mestre, seis oficiais, um aprendiz, vinte mulheres, algumas trabalhando no local, outras em casa, onde fiam em rocas.
Na época, encontramos outras figuras de prol de São Paulo, ligadas à produção e ao comércio de tecidos. É o caso de Francisco Ignacio de Sousa Queirós, de seu sogro e tio o Brigadeiro Luis Antonio, do Brigadeiro Jordão, de Antonio da Silva Prado, futuro Barão de Iguape e do Coronel Anastácio de Freitas Trancoso, antepassado da família Rego Freitas, de D. Tomaz de Molina figura que parece saída de um romance de capa e espada, sogro do Capitão Antonio Bernardo Quartim que era filho do Tenente Coronel Antonio M. Quartim, pioneiro da tecelagem em terras de Piratininga.
Nesse tempo, o Alferes Tomé Manuel de Jesus Varela, membro da Sociedade de Fiação, por falta de edifício próprio, produzia seus tecidos nos baixos do Palácio do Governo, no Pátio do Colégio.
Segundo Vieira Bueno, a matéria-prima das indústrias primitivas era oriunda de pequenas plantações de um algodoeiro arbóreo.
O “Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de São Paulo” do ano de 1857, refere-se à fábrica de Antonio Ribeiro de Miranda que já trabalhava com lã, seda e algodão.
A primeira máquina a vapor a funcionar em São Paulo, foi montada por um alemão em 1836, destinada ao refino de açúcar.
Segundo Paulo Rangel Pestana, Sorocaba seria pioneira em 1850, com a fábrica de tecidos de algodão movida a vapor, de propriedade do Comendador Manuel Lopes de Oliveira. A família Lopes de Oliveira daria a São Paulo homens do porte do escritor Antonio de Oliveira, um dos fundadores da Academia Paulista de Letras, Manequinho Lopes, pioneiro da ecologia, e um presidente do Tribunal de Justiça, o Desembargador José Carlos Ferreira de Oliveira.
Francisco Nardy Filho, em obra clássica intitulada “A Cidade de Itu”, contesta, dando primazia à “Fábrica de Tecidos São Luiz” fundada na “Fidelissima” pelo Coronel Luiz Antonio Anhaia. Funcionava com 24 teares acionados por vapor de 30 cavalos, contando a fiação com mais de mil fusos, surgindo no mesmo edifício onde surgira também o Colégio São Luiz.
Setenta anos mais tarde, José Luiz de Anhaia Mello, descendente do Coronel Luiz Antonio Anhaia, seria meu colega no Colégio São Luiz instalado há algumas décadas, na Avenida Paulista.
Luiz Vicente de Souza Queiroz, neto do Brigadeiro Luiz Antonio, criador da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz, é outro pioneiro da tecelagem bandeirante. Instala numa de suas fazendas em Piracicaba, a Fazenda d’Água, uma fábrica de tecidos a “Santa Francisca” movida pela força hidráulica.
O Major Justiniano José Seabra, sogro do historiador Leôncio do Amaral Gurgel, foi também proprietário de fábrica pioneira de fiação e tecidos em São Bernardo.
Em 1872, o Major Diogo de Barros, filho do Barão de Piracicaba, sócio da “Fábrica de Tecidos São Luiz”, instala na Rua Florencio de Abreu, uma indústria têxtil movida a vapor.
Quem descer a velha rua paulistana, passará pelo “Beco da Fábrica”, onde um herói da Guerra do Paraguai fez os teares funcionar, livres do braço escravo. Quantas vezes ouvi seu filho Rivadavia, evocar a figura histórica do pai.
Principiei a fiar estas lembranças, no dia em que voltei ao solar que pertenceu a meus primos Roberto e Ernestina, meio século mais tarde, para abraçar João Abujamra que lançava um livro.
Pelos cantos do palacete da Rua Marquês de Itu, ainda consegui ouvir a música dos anos quarenta, lembrando a alegria e o charme das festas ocorridas entre aquelas paredes.
Dentro das coincidências ou da predestinação existente na sede da Associação Brasileira de Indústria Têxtil, dois genros de Roberto e Ernestina Alves de Almeida, também possuem antepassados ligados à história da tecelagem paulista.
Rubem Pais de Barros, marido de Yolanda é da família do Marquês de Itu e de Antonio Pais de Barros, Barão de Piracicaba, sócio da “Fábrica de Tecidos São Luiz”. Por sua vez Antonio Queiroz Telles, casado com Maria Dulce, descende de Antonio Queiroz Telles, Visconde de Parnaiba, Presidente da Província, e grande incentivador da imigração nas últimas décadas do século XIX. A imigração que traria mão-de-obra, novas tecnologias, e os primeiros grandes industriais da área de tecidos.
O “Memorial do Imigrante”, instalado nos prédios da antiga Hospedaria, na Rua Visconde de Parnaiba, tem a sede construída por esse ancestral de Antonio Queiroz Telles.
Quando o pesquisador do futuro se debruçar sobre a infância de nosso parque industrial, certamente se deterá nas figuras de Antonio Quartim, do Marechal Arouche, de Manuel Lopes de Oliveira, de Luiz Antonio de Anhaia e do Major Diogo, homens que urdiram com espírito inovador, o primeiro tecido da história da indústria têxtil paulista.