QUINZE ANOS DE POESIA  -  HERALDO BARBUT.

Estes quinze anos de poesia de Paulo Bomfim só de um ponto de vista profano podem representar uma fase na vida de um poeta; mas não constituem em si um documentário biográfico exotérico; são algo mais profundo, como a busca de uma interioridade em que, a princípio é o poeta que faz a poesia, e depois é a Poesia que faz o poeta. Os primeiros versos de Paulo Bomfim são os versos de um poeta; seus últimos poemas são o reflexo mesmo da Poesia. Isolada mente, cada livro dêste conjunto tem a sua autonomia, seu conteúdo particular; frequentemente, porém, insinuam-se os temas centrais dos últimos poemas, vagamente delineados, “como se o poeta tateasse para encontrar os castelos interiores, na floresta da peregrinação. Assim em Beethoven desponta, por vêzes, rompendo a individualidade de cada uma de suas obras, o tormento do tema final da Nona Sinfonia; êste tema, com suas notas iniciais, indecisas, graves e tristes, se converte depois na expressão de uma“ alegria heróica, porque representa o encontro do poeta com à essência da Poesia. Este encontro pode chamar-se “Transfiguração”, porque realmente transfigura tôdas as coisas, “isto é, dá a cada coisa uma figura além do que ela parece, e tudo transforma, acordando num instante a beleza oculta no mistério ignorado. Há, por isso, um parentesco Íntima entre a poesia e a metafísica; o poeta dêstes quinze anos de vida interior parte quase sempre das imagens sensíveis, "mas procura nelas o conjunto dos seus significados, como os - filósofos procuravam a forma da matéria e a essência da “-. existência. O mundo quotidiano tem um significado além - de si mesmo e só o poeta pode encontrar o sentido do que aparece, isto é, o que está além do contôrno físico das coisas. “Tal a pedra filosofal, cujo poder não era transformar os metais no ouro banal, mas encontrar no imperfeito a perfeição, porque o ouro era o símbolo do sol, da — vida e da poesia. Os alquimistas adotavam um ritual, que na poesia são as palavras exotéricas, indo em busca de um “. fim, que na poesia é o encontro da beleza. Por isso a palavra da Poesia é metafísica, não é senão a reflexão da palavra "poética; o mundo foi criado por essa Palavra e Novalis tinha razão quando dizia que não hã realidade fora da poesia.

   Pois Paulo Bomfim aqui se apresenta como um poeta em busca de si mesmo, quando se descobre na ancestralidade dêsse maravilhoso conjunto de sonetos que é “Armorial”, Paulo Bomfim não tem nada do jovem poeta em marcha, à espera de algum estímulo que o ajude a prosseguir. Nunca um poeta dependeu menos da crítica para encontrar a sua orientação. Pôsto num caminho desconhecido — no caminho de si mesmo — de que lhe era inevitável “demandar o termo, veio desde Antônio Triste até a 'Transfiguração, e desde a Transfiguração atê a poesia cósmica da “Casa”, do “Homem”, e dos “Números”, como quem se transcende numa jornada irreptivel: parte de si “- mesmo para os quatro elementos da Casa, imergindo-se no Silêncio da interioridade (pois a poesia é a palavra do silêncio); imerge-se o Homem na mística de si mesmo é " depois vai além de si na efusão do divino pela magia dos Números. Esta é uma palavra de comunicação; mas não hã outra comunicação possível, senão a que se opera com "- o divino; pois o homem quando se comunica com os seus — «semelhantes, na verdade não se comunica com ninguém, a porque só se comunica consigo mesmo. A poesia não é — “um comunicado social, mas uma forma da religiosidade.
Assim, êstes quinze anos de poesia não são um fragmento 61 biográfico, nem um livro de poesias antigas ou modernas.
É um livro sem idade e sem tempo, porque, na sua totalidade, é um caminho até os quatro elementos, atê a simbólica dos números. Desde os sonetos, mais clássicos, até Os versos mais modernos, todos os estilos aqui se encontram,  Porque, em Paulo Bomfim, cada poesia vem com sua forma Nes própria e não com a forma de alguma escola. Este é o testemunho da sua experiência interior, uma experiência pessoal e sua; a única experiência realmente válida no reino da vida, e fora da mecânica do impessoal.

QUINZE ANOS DE POESIA - HOMERO SILVEIRA

Observam os sociólogos a interessante marcha dos fatos que, em cada 15 anos da vida de um povo ou de uma nação, costuma determinar mudanças verdadeiramente climáticas de evolução, muitas vêzes em sentido francamente revolucionário. E' que cada 15 anos representam, necessariamente, um ciclo evolutivo completo. O mesmo se poderia aplicar, por extensão e sem muito esfôrço, aos fatos poéticos, visto que existe, sem dúvida, uma conexão e uma interdependência fatal entre os acontecimentos humanos, sociais e estéticos.

O caso de Paulo Bomfim é típico. Ao reunir, numa tomada de posição introspectiva sôbre o seu próprio fenômeno poético, os poemas elaborados em 15 anos de meditação, de pesquisa e de elaboração mental, o poeta sentiu — com a intuição própria dos iluminados — que se estava completando no seu interior todo um processo estético e assim encerrando todo um ciclo evolutivo, que vinha de “Antônio Triste” até “Os Números”,

Na conjuntura poética brasileira êsse ciclo foi lógico e natural. Começou liricamente. Estereotipou-se, depois, no esteticismo modernizante das “Outras Poesias” até 1947, repetido em “Relógio de Sol” (1952). De 47 a 50 os “Poemas Esparsos” são um interlúdio em que o amor marca o compasso de espera. Vem “Transfiguração” (1951) — a fantasmagoria oceânica do menino que se espantou diante do mar e da vida. O sonêto assume o comando da poética A alma de Antônio Nobre pairou um instante sôbre a de Paulo quando compôs “Trovas” e quando rimou “Cantigas”. As “Odes” (1954) denotam um despertar de intimos anseios raciais, que explodiriam em 1956 no “Armorial” em forma depurada. Ainda em 1954 aparecem os poemas da “Cantiga do Desencontro” e os “Sete Poemas Amargos”, que prenunciam já “Sinfonia Branca”, em que o poeta é prêsa de seus avatares. O amor cons= cientemente visto inspira “O Dragão e a Rosa” e “Intermezzo” (1956). Plena maturidade com “Armorial”, “A Casa”, “Homem” e “Os Números”,

Que dominantes se impuseram nêste gráfico ascensional de uma poesia que se anuncia lírica e: termina em temas humanísticos? Quatro principais: o amor, a obediência aos avatares, a infância e à raça.

A poesia moderna tem-se caracterizado por alguns dêstes temas: o cotidiano, a infância, a morte e o exótico. Em Paulo Bomtim não há grande repercussão do cotidiano nem do exótico, mas uma sobrevivência de ancestralidade bem marcada (extensão da infância, paradoxalmente em termos de passado) que repercute, quase monocôrdicamente, explodindo na atração da raça, ponto alto — “Armorial”,

Os ritmos e as procuras formais no sentido puramente estético compuseram uma sarabanda maravilhosa, desde a suavidade embaladora das trovas e das cantigas até a epopéia bandeirista em cadência de tragédia. Houve pesquisas estetizantes e descantes amorosos do mais puro saudosismo lusitano.
Houve, afinal, a marcação humanística de um pensamento bem elaborado nos poemas dos últimos tempos em que o poeta se volta para os temas da vida em construções bem arquitetadas a denunciar sólida maturidade.

Paulo Bomfim é um poeta que experimentou em 15 anos tôda uma gama de emoções, de sensacões estéticas, de reformas em todos os sentidos que lhe foi possível penetrar e que a inspiração lhe impôs, através de grande vivência poética e de profunda compreensão humana. Sincero e honesto, está denunciando franco e decidido rumo para muito alto e muito sério.

 

quinze anos de poesia